Um lugar pode definir-se como um “espaço identitário, relacional e histórico”i, dotado de valor e ocupado simbolicamente, em oposição ao espaço, um lugar vazio, indiferenciado e ainda sem significado.
O espírito do lugar ou “lugar provido de aura”ii na expressão de Oliveira Jorge, é um lugar ocupado e reocupado durante um longo período de tempo que tem inscritas as marcas do tempo e do homem. É um lugar imaginado e re-imaginado ao longo dos tempos que passou a viver na subjetividade dos homens.
Quem visita ou vive um lugar transporta consigo as histórias que ouviu, as formulações que elaborou, e vê e interpreta os lugares através da matriz das suas vivências e valores.
Óbidos vive no imaginário dos milhões de pessoas que já a visitaram, que a guardaram nas suas memórias, interpretando-a e tornando-a parte da sua subjetividade.
Óbidos é uma realidade multicolor que nos surpreende a cada passo, e que na sua riqueza e diversidade nos transporta para o tempo que predominantemente a define: a idade média.
Quando se pretende reabilitar dentro das suas muralhas a sua complexidade consolidada, de coerência quase absoluta, desafia-nos pela exigência que nos impõe de ter de tocar na sua perfeição, tornando-se a exigência de surpreender numa urgência.
A reabilitação pressupõe a existência de uma edificação, de um espaço já vivido que transporta em si opções de ocupação, funcionalidades e valorizações de contextos que vivem no passado. Tráz consigo inúmeras variáveis pré-estabelecidas, cheias de subjetividade que é preciso respeitar e valorar. É como um “puzzle” já iniciado em que se nos deparam várias opções para a sua conclusão.
A reabilitação é a recriação de um lugar pré-estabelecido na interação entre o passado e o presente, a que se acrescenta diversidade de formas, cores e volumes que se perspetiva num futuro sustentável.
A concretização desta complexidade exige simplicidade de soluções, na opção dos materiais e das cores, no respeito das volumetrias e na adição de elementos de funcionalidade, com o objetivo de atingir um resultado coerente, integrado e esteticamente valorizado.
Por isso a recuperação de construções obsoletas e deterioradas é um processo de adequação e recriação do espaço construído ao uso de novas funções e novas estéticas que devem respeitar as necessidades e padrões de conforto dos utilizadores, em consonância com o uso que foi definido.
Mas é também um processo que, ao reutilizar e reciclar materiais, se enquadra nos princípios da sustentabilidade ecológica e social, em que se contribui para a redução do consumo de novos recursos naturais e, consequentemente, para a minimização dos impactos ambientais causado pela extração e industrialização de matérias primas.
Reutilizando pedra de demolições e restaurando todos móveis que se encontrou durante este percurso, não só se preservou materiais, mas também o trabalho que transportavam consigo, integrando e valorizando valores e estéticas, num resultado de interação entre o passado e o presente que desafia o espírito, cria mistério e subjetividade.
ANA CRISTINA COSTA
I Augé, Marc
II Oliveira, jorge